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06 de junho de 2020 · Leitura de 2 min · Escrito por Carla Vieira

Como uma pandemia transforma o familiar em desconhecido

Com certeza, uma pandemia é capaz de mudar nossa visão de mundo e, principalmente, nossa percepção de tempo.

Com certeza, uma pandemia é capaz de mudar nossa visão de mundo e, principalmente, nossa percepção de tempo.

O que é o tempo? Como nós o utilizamos? Acordamos, tomamos café, banho e, entre uma reunião e outra, o tempo começa de novo, ou pode se esconder completamente, desaparecer. A distinção entre esse tempo e aquele tempo começa a ficar borrada.

A compreensão do tempo está perdida. Está escuro, mas você não precisa ir para a cama. O relógio que corre é o mesmo que conta as mortes. Os números marcam a diferença entre agora e um tempo atrás. A morte de uma criança significa que uma vida, mesmo antes da consciência chegar, passa de uma eternidade para a seguinte.

De forma similar, o tempo apaga a fé. Não há elogios, nem últimas palavras, e os cadáveres não são mais transferidos para os cemitérios. Eles são colocados em caminhões refrigerados, os enterros são pequenos e rápidos e muitos não conseguem se despedir.

Enquanto isso, continuamos a ver crianças perdendo suas vidas e pessoas, que na tentativa de ajudar àqueles que não tem o que comer, são atravessadas por balas e gritos. A população está entre a bala e o vírus.

Perde-se a crença no governo, no país, na própria possibilidade de que a vida continue. Por quanto tempo a democracia conseguirá sobreviver em meio a tudo isso? Teremos comida suficiente daqui a um mês?

O medo cresce e sob ele fluem diferentes preocupações e ansiedades. Pode-se falar de uma cultura do medo cuidadosamente criada, que favorece o hábito à ameaça, o sentido de uma extrema insegurança e de uma necessidade de um defensor. Ameaças imaginárias são sugeridas, perigos reais amplificados.

Junte isso aos políticos que semeiam mais o medo do que a esperança. Foi Maquiavel quem transformou o medo em uma categoria política, percebendo sua estreita ligação com o poder.

Todos nós sofremos, mais do que nunca, de fadiga parlamentar, não acreditamos mais em nossa democracia. Não acreditamos mais que os políticos vão consertar as coisas, então muitos buscam outras coisas para acreditar.

Entre uma paranoia e outra, surgem conspiracionistas que buscam identificar as forças obscuras em cujas mãos o mundo caiu, com a intenção de combatê-las; reivindicando para si o papel da vítima e construindo o inimigo absoluto. O medo perde a direção.

Hoje é impossível prever os efeitos sanitários, econômicos, políticos e sociais desse cenário devastador e sem precedentes criado pelo coronavírus. Justamente esse vírus soberano, que circunda as fronteiras, revela todos os limites da soberania — não apenas ergueu muros, como também recorreu ao medo para governar em um cenário complexo como o que vivemos.

O velho mundo está se desvanecendo e a estrutura de reconstrução utilizada em crises anteriores, baseada em liberação de empréstimos com juros abusivos, não parece a forma mais eficaz para a tarefa de recuperação da economia e da sociedade. E, mais cedo ou mais tarde, será necessário inventar novas formas de reorganizar o sistema econômico e auxiliar as empresas, minorar o efeito da crise sobre os setores mais desprotegidos e fortalecer políticas sociais.

Só nos resta saber se o coronavírus vai acelerar a crise do capitalismo ou, ao contrário, será usado para impor um autoritarismo…

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